terça-feira, 4 de agosto de 2009

Por que, mãe?

Eu e a Japa temos uma brincadeira, de gerar temas ou copiar do “duelodeescritores.blogspot.com” e escrevermos contos. Este foi o primeiro da brincadeira. Postarei um por semana. Toda terça-feira apareçam por aqui!!

Duelo Japa x Lê

Tema: “Avião/Por que?”

Autora: Letícia

Título: Por que, mãe?

Abelardo olhava para fora da janela e tinha vontade de pular nas nuvens, pareciam tão fofinhas, lembravam sua cama com uma camada de algodão doce em cima.

- Mãe, por que as núvens são brancas?

- Porque é a água em vapor

- Por que a água evapora?

- Porque o sol bate no mar e nos rios, esquenta e faz a água evaporar e subir aqui

- E por que o sol esquenta assim?

- Porque ele é quente

- E quem fez o sol quente?

- Deus

Abelardo voltou à olhar a janela, Não entendia muitas coisas. Quem será esse Deus que cria tudo e sempre termina com a sua curiosidade? Já estava acostumado, não podia mais perguntar “por quês” depois que sua mãe respondesse Deus.

- Mãe, a senhora não sabe a resposta mais, né?! Por isso que responde “Deus”, né?

- Claro que não meu filho. Eu realmente acredito que Deus que criou tudo.

- E quem criou Deus?

- Ninguém.

- Como assim?

- Bê, isso eu não sei responder. Agora aperte o cinto que vamos começar a pousar.

Abelardo coloca o cinto de segurança

- Mãe, por que tem que colocar o cinto?

- Pra dar segurança

- Por que dar segurança?

- Porque se o avião sofrer qualquer impacto vc não é jogado pelo avião, fica seguro

- Por que ele pode sofrer impacto?

- Porque no pouso e na decolagem o avião ainda está muito rápido e tem que parar e entrar em contato com o solo

- Por que?

- Para podermos descer

- Por que?

- Pra chegarmos em casa e descansarmos.

Abelardo pensou que então colocar o cinto era pra chegar em casa bem, apertou ainda com mais força.

Dona Rosinha, mãe de Abelardo estava se cansando de tantos porquês. Já havia tratado com a psicopedagoga dele sobre o que estava acontecendo. Deveria ser uma fase aos 5/6 anos. Porém ele já estava com 10 e os “porques” não paravam! Ela havia lhe explicado que Abelardo era uma criança extremamente curiosa e inteligente. E que como nos grupos de trabalho na empresa de Rosinha e em qualquer outra discussão adulta, Abelardo após 5 “por ques” no máximo chegaria à chave, à resposta satisfatória. O que era um alívio, pelo menos havia fim.

- Senhores passageiros, aqui é capitão Souza, a diferença de temperatura entre o solo e atmosfera está muito elevada, portanto sofreremos turbulências fortes ao pousar. Não é comum, mas é normal, portanto, não se assustem. Obrigado.

- Mãe, o que é turbulência?

- É quando o avião fica chacoalhando

- Por que ele chacoalha?

- Porque há diferença de quantidade de ar e ele não consegue planar

- Por que?

- Porque falta sustentação

- Então eu não conseguiria respirar nesses lugares também?

- Acima de 4km você já não consegue respirar direito.

- Por que?

- Porque não tem ar suficiente e teu organismo sente falta

Enquanto respondia, Rosinha pensava que deveria ser a última pergunta. Ela tinha medo de pousos e principalmente de turbulências, não queria conversa nessa hora. Viu que seu filho abria a boca para continuar perguntando. Mas nesse momento houve um chacoalho muito grande e uma sensação de queda repentina, como uma montanha russa que durou alguns segundos. Quando estabilizou novamente estavam todos quietos, com os olhos arregalados. Novamente um chachoalho, para os lados, para baixo e a pista se aproximando.

Abelardo agarrou-se ao braço da mãe e ao braço da poltrona com a outra mão enquanto olhava para a janela. O avião balançando e a pista se aproximando. A pista se aprovimando, o avião balançando e um estrondo. O avião encostou na pista mas continuou instável, sua traseira balançando. Girou, foi de lado saindo da pista, atravessando o gramado, parando e reduzindo a velocidade muito lentamente. Parou no muro do aeroporto.

Dona Rosinha branca, em estado de choque. Abelardo olhando para fora procurando fogo ou algum sinal de seguro maior. Até que virou e olhou sua mãe em estado de choque.

- Mãe, mãe, por que você tá branca assim?

Não houve resposta

- Mãe, por que você tá olhando pra frente sem piscar?

Nada novamente

- Mãe? MÃE?!!!

Começou a balançar ela. Até que houve um suspiro e seus olhos piscaram. Ela retornou do desmaio.

- Por que a senhora tava sem se movimentar?

- Acho que desmaiei.

- Por que?

- Filho, certas horas não devem ter tantas perguntas. Vamos nos acalmar e descer do avião.

- Por que?

- AHHHHH Fica quieto só um pouco, Abelardo!!! Não tá vendo que a gente quase morreu e você aí querendo saber os por quês de tudo??? Dá um tempo moleque!!!

Abelardo começou a chorar.

- Mas mãe, eu coloquei o sinto, vamos chegar salvos em casa!

Nunca sua mãe havia gritado com ele, nunca tinha dito que não receberia suas perguntas. Olhou em volta e viu todo mundo correndo, chorando, nervoso, os bombeiros do lado de fora e percebeu que realmente não havia sido um passeio na montanha russa como ele tinha observado. Baixou a cabeça e ficou quieto. Estavam todos bem e ninguém machucado, para que tanta preocupação? Mas calou-se.

Saíram do avião pelo escorregador de emergência. Foram examinados, preencheram informações, fichas, dados, contaram 7 vezes a mesma história até que finalmente, 3 hrs depois, foram liberados. Abelardo se manteve em silêncio todo o período.

Ao chegarem em casa a mãe vai tomar banho e neste momento de relaxamento lembra do surto que teve com Abelardo.

Saiu do banho enxugando os cabelos, enrolada na toalha e encontrou Abelardo olhando pela janela de casa.

- O que está olhando, Bê?

- As nuvens.

- Por que?

- Porque me lembro do céu

- E o que mais?

- De quando você não era brava comigo.

Sentou-se ao seu lado

- Desculpe filho, eu realmente fiquei muito nervosa com o nosso quase aciente

- Foi Deus quem segurou a gente, mamãe?

- Foi sim meu filho

- Você se cansa das minhas perguntas de verdade?

- Às vezes sim. Mas por que estou egoísta e cansada. Porque sei que a sua curiosidade é que faz você querer saber o por que de tudo.

Rosinha foi até a sala e pegou seu “guia dos curiosos” e entregou a seu filho.

- Nossa, mãe, que livro grande!

- Aqui você vai encontrar muitas respostas. Para quando eu não estiver por aqui para respondê-las.

- E quando você estiver?

- Daí você pode perguntar pra mim mesmo.

- Posso fazer a última pergunta de hoje?

- Claro que pode filhinho!

- Por que eu não posso perguntar nada de Deus que você para de responder?

- Porque eu não sei bem quem é esse cara. Então pra mim é dificil explicar certas coisas. Eu só sei que ele está em tudo, que é o responsável por muitas coisas.

- Aqui vai me explicar isso?

- Não...

- Que pena.

- Mas vai explicar o resto sobre as coisas diferentes e curiosidades da vida.

- Obrigado, mãe! Prometo não fazer mais tantas perguntas.

- Obrigada, filho. Eu não sei mais tantas respostas, suas perguntas estão ficando mais profundas.

- É por que você já me explicou tudo o que sabia?

- Não, eu expliquei o que você queria saber que eu sabia.

- Por que você não lê esse livro e me responde?

- Não é fácil assim filho.

- Então eu não vou entender?

- Vai sim! Só que o teu cérebro tem muito mais espaço do que o meu.

- Mas se você não sabe mais, com o que está ocupado o teu cerébro? Você é burra?

- haha Não, meu filho! O que a gente aprende na vida não são só curiosidades. É também como viver, como cuidar das coisas, das pessoas, como criar e tratar você bem, a lidar com as dificuldades que enfrento, as coisas do trabalho, as informações do mundo, muito mais coisas do que essas dúvidas suas.

- Então eu sou burro?

- Não também, meu filho. Você é muito inteligente, só tem que ter um pouco mais de paciência para ir estudando e aprendendo as coisas aos poucos. Aprender a saber quando e o que perguntar para quem. Por exemplo, hoje, num momento de stress, você deve segurar um pouco a sua curiosidade, as pessoas estão envolvidas em muitas atividades então podem se irritar com a sua pergunta.

- Você tá me chamando de chato?

- Só estou te ensinando o que você não pergunta, sobre as pessoas. Nem todo mundo é como seus amigos, suas professoras, sua terapeuta e eu. Nem todo mundo gosta de responder perguntas. Só estou te explicando que você não deve ficar chateado se encontrar pessoas pelo caminho que não querem aprender mais e muito menos ensinar.

- Ah.

- Mas muitas pessoas vão perceber o quão especial, inteligente e esperto você é! E são essas pessoas que você deve levar com você, que deve manter perto e se tornar amigo.

- Não posso ser amigo de todo mundo?

- Não vai ser todo mundo que vai querer ser teu amigo e você não vai querer ser amigo de todo mundo.

- Você vai ser minha amiga sempre?

- Claro!!!

- Então já estou feliz!

- Vamos dormir agora?

Dona Rosinha sentiu sua fé renovada após o acidente e a maneira simples como o filho via tudo. Sentiu que era hora de voltar a estudar para acompanhar os porquês de seu filho e de retornar à Igreja, ou à algum lugar que lhe explicasse e lhe saciasse a curiosidade da alma. Sentiu-se esperançosa pelo futuro brilhante que seu filho teria e torceu para que não encontrasse muitas pessoas impaciêntes que cortassem essa vontade de querer mais e saber mais de seu filho. Seria um dom jogado fora. Percebeu que sua missão era cuidar para que ele nunca perdesse isso e fosse um adulto brilhante, capaz de aprender a ajudar muitas outras pessoas, quem sabe um cientista, ou um professor, ou um estudioso... Dormiu sonhando com as possibilidades para uma pessoa inteligente e curiosa que não fosse podada na infância, que não tivesse que se despreocupar dos estudos para poder ajudar na casa, como havia sido o caso dela que foi estudar muito tarde e já por obrigação e não gosto.

2 comentários:

  1. lido. ah, e traseira é com S e não com Z =)

    tá, eu já calei.

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  2. no meu conto, a mãe ja morria logo e abelardo seria um hipocondriaco esclerosado.

    Mas por que?!

    Rosinha responde...

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