quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Valquíria

Semana passada foi feriado na terça aqui em Curitiba também, acabei ficando presa no Rio até quarta, não deu chance de postar...

 

Essa semana foi corrida, então esqueci também...

 

Peço mil perdões! E para me rediminir um conto bem longo! (no word davam 4 páginas! Haha)

 

 

14/07/2009

Temas: atraso, fumaça, valquíria, um quase assassinato e mancha (junção dos 5 últimos temas do duelodeescritores.blogspot.com)

Autora: Lê

Título: Valquíria


            Valquíria saiu de casa como todos os dias, sempre pensando nas milhões de coisas que poderia estar fazendo se não estivesse em seu cubículo atendendo milhões de clientes no call center da maior operadora do país. Porém, neste dia parecia que tinha acordado com o “pé esquerdo”. Não ouviu o despertador, a água não esquentou no banho, na porta de casa percebeu que estava com um pé de sapato diferente do outro... Já muito atrasada correu para pegar o ônibus mas não conseguiu alcancá-lo e ainda levou um espirro de água lamaçenta, culpa dos buracos e da chuva anterior.

            Uma pessoa qualquer se irritaria com isso, mas não Valquíria. Ela era uma pessoa extremamente paciente. Ligou para seu chefe e comunicou o ocorrido, trocou seu turno para a noite, assim teria menos problemas. Voltou para casa e foi lavar seu uniforme antes que a lama formasse uma mancha impenetrável. Porém foi tarde de mais, o óleo que estava na pista não saiu de seu casaco. Pensou em usar o outro enquanto pensasse em uma outra maneira de retirar a mancha. Resolveu aproveitar o dia. Cuidou da casa, do jardim, adorava suas flores no início da primavera. Depois saiu para correr e viu as crianças voltando do colégio e se entristeceu por não ter filhos. Mas logo recuperou o sorriso pois sabia que um dia eles chegariam, era uma otimista exagerada, em todos os seus aspectos.

            Preparou seu almoço favorito, arroz, feijão, bife e um ovo frito! Salivava enquanto cozinhava. Degustou cada pedaço como se fosse a maior iguaria francesa. Não se lembrava da última vez que passava um dia fazendo as suas coisas, do seu jeito. Francisco, seu marido, era monopolizador de suas tarefas, sempre fazendo suas vontades. Aproveitou cada segundo de independência como se fosse o último e, bem, seria mesmo já que apesar disso ela o amava muito e não pretendia deixá-lo.

            No meio da tarde se arrumou novamente, agora com mais calma e já tendo afastado a maré de azar. Saiu calmamente e desviou das poças, pegou o ônibus que a aguardava no ponto, depois o metrô e desceu na estação que ficava há uma quadra do prédio onde trabalhava. Ao subir as escadas da estação e ver a luz do dia observou uma fumaça preta no céu. Seguiu seu rastro e viu que vinha de seu prédio, contou os andares e viu que era justamente de seu andar! Correu até a porta do prédio e lá encontrou suas colegas.

            - O que aconteceu?

            - Por que você não veio trabalhar de manhã?

            - Muitos problemas.. Por que essa fumaça?

            - Você não viu no jornal?

            - Não...

            - Erm... Bom... explodiu uma bomba ali...

            - Como assim uma bomba?!?!?! Alguém se machucou?? Como entrou uma bomba ali?? Por que?? O que queriam com isso? Meu Deus que coisa horrível!!

            - Calma, Val... Acho melhor você conversar com o inspetor da polícia que está ali na porta, tá vendo, aquele ali de óculos!

            - Mas por que vou atrapalhá-lo? Você não pode me contar?

            -  Eu não deveria te contar, mas é que o pacote estava em seu nome... Você é a principal suspeita.

            Valquiria ficou branca, caiu no chão, o que chamou atenção dos policiais e logo o inspetor já a carregava ao saguão do prédio que havia sido evacuado. Assim encontraria calma e espaço para que ela melhorasse e ele pudesse realizar algumas perguntas “de rotina”.

            José, o inspetor, era um cara de bem, honesto, entrou na profissão para lutar contra a violência do mundo, sabia que não poderia tratá-la mal ou como uma prisioneira até que tivesse certeza de sua suspeita.

            Valquiria abriu os olhos e José lhe entregou um copo de água com açúcar. Ela se recuperou lentamentamente.

            - Quem é o senhor

            - Dona Valquíria, eu sou o Inspetor José Bonifácio. A senhora já está melhor?

            - Sim, estou melhor. O que aconteceu aqui? Por que eu sou suspeita?

            - Calma senhora, ninguém está te considerando bandida! Suspeita apenas no sentido de precisarmos realizar algumas perguntas esclarecedoras.

            - Tudo bem...

            - Por que a senhora não veio trabalhar esta manhã?

            - Deu tudo errado, eu já chegaria com 1h de atraso quando o ônibus me molhou e tive que voltar em casa. Achei melhor trocar o turno para evitar maiores problemas.

            - A senhora pode provar isso?

            - Nunca imaginei que iria ficar tão feliz pela mancha de óleo do ônibus não ter saído do meu uniforme! Ele está em casa, posso mostrá-lo depois.

            - Ok, muito bom. A senhora esperava alguma encomenda?

            - Não, nem nunca recebi encomendas no trabalho...

            - E como sabiam onde te encontrar?

            - Quem sabia?

            - Isso ainda estamos tentando descobrir. A senhora recebeu alguma ameaça nos últimos dias?

            - Sérias não que eu me lembre. O senhor tem que entender que meu trabalho não agrada muitas pessoas e algumas se irritam.

            - Sim, sim, entendo. Mas não consegue se lembrar de alguém mais incisivo, que tenha feito ameaças?

            - huummm deixe-me pensar... Não sei... Não que eu lembre realmente. Mas, ah! Lembrei que todas as ligações são gravas para análise posterior, o senhor pode dar uma olhada nelas!

            - Já temos uma equipe varrendo todas as suas ligações e também de suas colegas de seu turno. Bom, por enquanto não tenho mais perguntas. Gostaria que a senhora  não saísse da cidade pois está sob investigação.

            - Ok Sr. Inspetor, colaborarei com o que for necessário, só quero sair da lista de suspeitas...

            Valquíria não tinha forças para permanecer ali. Caminhou até a avenida e encontrou seu chefe no caminho que lhe ofereceu uma carona até em casa. Ela recusou e correu para um taxi.

            Há alguns meses seu chefe a obrigava a aceitar suas caronas. No início ela entedeu como uma delicadeza, mas, com o passar dos dias foi percebendo insinuações, indiretas... Quando tentava recusar a carona era quase ameaçada. Até que um dia ele colocou suas mãos em sua perna e ela desceu no primeiro sinal, correndo. A partir daquele dia seu marido iria buscá-la no trabalho. Porém ele teve que viajar a trabalho e seu chefe percebeu. Voltou a obrigá-la a aceitar as caronas. Na semana anterior ao fogo no prédio, ele repetiu a rotina. Contudo ao sair do prédio tomou um caminho diferente. Ela estranhou e o questionou, ele manteve-se quieto e travou as portas, não parou em nenhum sinal até que chegou ao seu destino, sua casa. Estacionou na garagem e Valquiria não sabia como agir de tanto medo. Jorge mostrou-lhe uma arma, falou que se não colaborasse não teria medo de usá-la.

            Ele obrigou Valquíria a subir em seu apartamento. Chegando lá jogou-a no sofá, arrancou suas roupas e a possuiu ali mesmo. Valquíria tentava lutar contra mas ele a agarrava com mais força e a machucava ainda mais. Até que ela desistiu de lutar e manteve-se apenas deitada, chorando e rezando para que aquilo acabasse logo.

            Acabou. Ela teve medo de que ele fosse abusá-la a noite inteira, porém ele falou-lhe:

            - Achava que você seria mais gostosinha. Que desperdício todo esse tempo. Vista-se!

            Ela manteve-se silenciosa, vestiu-se e ele jogou uma nota de 100 para ela pegar um taxi.

            Val saiu correndo, ia sempre trabalhar de tênis e adorava corridas, queria colocar todo aquele dia para trás, tentava fazer isso a cada passo da corrida, porém sentia tudo grudado à sola de seu sapato.

            Chegou em casa e entrou no banho, sentou-se no chão e chorou por quase uma hora até que ouviu o telefone tocando e sabia que era seu marido. Secou as lágrimas e correu.

            - Oi chiquinho...

            - Oi Valzinha! Que voz, o que aconteceu?

            - Nada não – Porém ela não se aguentou e começou a chorar

            Contou todo ocorrido para Francisco e sentiu em sua respiração o ódio subindo.

            - Mas não precisa fazer nada, ele não gostou, não vai se repetir! Promete para mim que não fará nada, não quero perder meu emprego!

            - Prometo sim, meu amor, você sabe que eu faço o que você quiser e que não teria coragem de fazer nada contra ele. Nem forças tenho para bater nele, malditos livros que me tiraram a força muscular!

            - Só você para me fazer sorrir neste momento... Volta logo?

            - Volto sim, mais duas semanas que passarão voando e estarei em casa.

            Uma semana passou, não voando, mas com Valquíria no seu otimismo, trabalhando todos os dias para esquecer o fato e driblar um possível ataque de seu chefe. Tudo ia bem, voltava sempre acompanhada de suas amigas. Hoje seria ainda melhor pois não sairia no mesmo horário que ele, devido à troca de turno, porém o incidente obrigou-a a fugir, correr e voar no taxi. Não sabia se tinha mais medo de ser mantida como suspeita ou refém de seu chefe.

            Chegou em casa ainda tentando digerir todas as informações da última semana. Sentou-se em sua cama, olhando para o teto até que o telefone tocou e ela pulou num susto. Olhou rapidamente o relógio e sabia que era seu marido.

            - Oi Chico!

            - Oi... o que você está fazendo em casa?

            - Como assim? Eu sempre estou em casa esta hora!

            - é... sim... mas, achei que você estaria no serviço.

            - Como você sabe que troquei meu turno hoje?

            - é?! Trocou? Não sabia...

            - Então por que achou que eu estaria no serviço?

            - Nada não, a viagem deve estar me cansando de mais. Como foi seu dia?

            - Péssimo, acham que eu suspeita de um crime...

            - VOCÊ?!?!?! Não, não pode ser, o que aconteceu??

            - Explodiu uma bomba no meu departamento, mas eu não estava lá...

            - Val, arrume suas malas, venha para cá! Pode usar o cartão de crédito de emergência! Venha já, esta cidade não está segura para você!!

            - Não posso, o inspetor da polícia falou que não posso sair da cidade.

            - Tudo bem, entendo, vá para a casa da vizinha então, não fique sozinha, vai que a carta era para você mesmo e esses malucos resolvem insistir!

            - Como você sabe que era uma carta?

            - Você falou!

            - Não, não falei!!

            - Você deve estar atordoada com o incidente, vá dormir, semana que vem já estou aí!

            - Tudo bem

            - Tchau

            - Tchau

            Valquíria desligou o telefone achando tudo muito estranho. Neste momento ouve sua campainha “o que será agora, não chega para o dia estar completo ainda?”.

            Ao abrir a porta se assusta, 5 carros da polícia cercam sua casa, diversos homens com seus rifles apontados para sua casa. Imediatamente ela levanta as mãos e mantêm-se em silêncio e imóvel. Ouve a voz do inspetor José:

            - Dona Valquíria, seu marido está em casa?

            - Meu marido? Não, está viajando...

            - A senhora terá que nos dar licensa para revistarmos a casa.

            Os homens entraram, reviraram a casa e não encontraram nada.

            - onde ele está?

            - Viajou a trabalho para São Paulo

            - A senhora poderia nos informar em qual hotel ele está hospedado?

            - Sim, é no Hotel Legal. O que está acontecendo????

            - Um minutinho por favor

            - ok

            O inspetor vai até a rua, faz uma ligação e retorna

            - Dona Valquíria, rastreamos a carta-bomba e descobrimos que ela estava realmente destinada à senhora e quem havia enviado foi seu marido.

            Valquíria emudeceu. Apenas lágrimas escorriam de seu rosto. Não sabia no que pensar. Foi interrompida pelo celular de José que após conversar por breves instantes desliga e pede que Valquiria o acompanhe até a delegacia prestar depoimento legal. Ela continuava suspeita, uma cúmplice. A questão na cabeça de José era “por que?”. Jose nunca gostou somente de prender criminosos, sentia prazer em estudar-lhes o comportamento para poder evitar novos incidentes.

            Valquiria contou tudo sobre o marido e seu trabalho, omitindo apenas as investidas de seu chefe. Após algumas horas Francisco chegou algemado e ela o viu apenas através de um vidro, olhando fixamente seu marido com seus olhos cheios de culpa. Neste momento teve certeza e sentiu pena. Sabia que não fizera por mal. Ou fizera? Qual seria seu motivo?

            Uma hora depois José retornou à sala com o depoimento de Francisco em mãos.

            - Dona Valquíria, a senhora conhece o Sr. Jorge Jiton?

            - Sim, é meu chefe

            - E a senhora possui alguma queixa dele enquanto chefe?

            - não...

            - E enquanto ser humano?

            - erm... não...

            - Dona Valquíria – Disse José, sentando-se ao seu lado, com uma voz calma, quase amiga. – se você contar a verdade não será indiciada como cúmplice, seu marido confessou tudo

            - Confessou o que?

            - Primeiro responda minha pergunta! A senhora possui alguma denúncia?

            - sim... Ele me seguiu, me sequestrou e me estuprou.

            Valquíria começou a chorar muito e abraçou José. Este não soube o que fazer, esperou apenas que ela se acalmasse. Após se acalmar ela detalhou todo o incidente e perguntou o que afinal o marido tinha a ver com esta história?

            - Val, seu marido confessou que não conseguiria mais viver ao seu lado após ter sido violada por outro. Sentiu ódio dos dois embora você não tivesse culpa e nojo de você. Estes sentimentos negativos o influenciaram a matá-la. Pensou que o plano seria perfeito, porém não contou com a sincronicidade do universo!

            - Posso ir embora agora?

            Foi a única coisa que Valquíria disse. José acentiu com a cabeça e a liberou. Ela caminhou até a porta e saiu na noite silenciosa aliviada, feliz, enjoada.

            Ainda teve que enfrentar ambos seu marido e seu chefe em tribunal. Com isso conseguiu pensão, indenização, muito dinheiro. No primeiro mês se descobriu grávida. Ela, que sempre soube que sua criança viria um dia, nunca imaginou que o amor seria fruto de um ódio e de um crime tão hediondo. Porém, amou essa criança como não havia amado nem seu próprio marido infértil. Mudou-se, de cidade, de nome. Mas nunca mais manteve seu sorriso por todo o tempo no rosto, sempre havia uma pitada de dor no canto de seus olhos, uma desconfiança em suas sobrancelhas, um medo em seus sobressaltos. Apenas seu otimismo manteve-se presente, por que no fundo ela sempre quis pelo menos uma noite de amor com Jorge, mas como mulher casada não podia ousar aceitar isso e embora não tenha tido uma noite de amor e não tenha sido da maneira sonhada o resultado foi bom, seu sonho realizado de um filho para chamar de seu e distância de Francisco, o marido ausente, arrogante, mandão e infértil.

 

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